Fogo primordial
O fogo é o primeiro e eterno movimento. É o que tudo consome, tudo transforma.
Séculos e mais séculos atrás, na busca de compreender a essência do universo e do fenômeno da existência, um sábio sujeito disse: “O fogo é gerador do processo cósmico”. Heráclito de Éfeso (504–500 a.C.), O Obscuro, foi um dos mais importantes filósofos da chamada era pré-Socrática. Diferentemente de grande parte dos filósofos de seu tempo, os quais buscavam estipular teorias fixas sobre o Ser e a realidade, Heráclito enxergava que “todas as coisas estavam em movimento”. Desde o Sol que raia e se põe sobre o horizonte, desde o homem que nasce, cresce e morre, do rio que está sempre a correr e que nunca é o mesmo; tudo é inconstante, variável, mutável. Consequentemente, na filosofia de Heráclito não havia o Ser (como realidade fixa e imutável, como pensava Parmênides) mas sim o vir-a-ser, como representação de uma realidade que está em contínua construção.
Mas e o fogo? Qual é o seu significado nisso tudo? O fogo era a essência de todos os elementos, pois quando condensado se tornava ar, depois água por fim, terra. Nesse sentido, o fogo era o que tudo formava, o que tudo consumia, o que tudo transformava. O fogo era mudança. Das brasas, das chamas, das faíscas que emergiam na atmosfera; todo esse espetáculo era uma representação fidedigna da existência.
O Fogo era o elemento primordial que regia o cosmo. Era o primeiro e eterno movimento.
Mas e a alma? Seria a essência do ser também fogo? Estaríamos nós sob constantes mudanças? Queimando? Ardendo? Transformando? Estaríamos, pois, conectados com o movimento do fogo primordial?
Heráclito diria que sim, podemos ser brasas ardentes. Podemos incendiar a alma com o fogo primordial. Mas presos aos nossos dilemas, as nossas angústias, aos materialismos e ilusões da vida; tornamos almas úmidas, lamacentas. Impedimos de mudar, de nos transformarmos em sujeitos melhores, ou pior, de vivermos. Presos no lamaçal da dúvida, do medo, não enfrentamos as labaredas da existência. Vivemos de forma inautêntica.
Se queremos viver de forma autêntica, é necessário banhar sobre o fogo. Precisamos incendiar os nossos medos, nossas ânsias e aceitarmos as mudanças. E mesmo que a encruzilhada da vida seja cheia de dores, queimaduras e ardores, no fim ela vale a pena. Pois, apesar dos sofrimentos incessantes, o fogo conforta, o fogo esquenta. Mesmo na dor, o fogo se faz prazer. No fim, é do brilho, do calor e da faísca que emana do ser que a alma se faz dançante.